keanu and shakespeare


Por: Deny


Este é o título de uma interessante reportagem que fala de um dos períodos da carreira de Keanu Reeves de plena ousadia e coragem.


A coragem do jovem ator vindo de um recente sucesso…Que simplesmente resolveu sair dos holofotes da grande mídia e ir para uma cidade pequena fazer uma peça de …SHAKESPEARE…


A reportagem abaixo,relata as diversas opiniões de críticos,que antes mesmo de ver a peça pronta já criticavam Keanu…Infelizmente não temos nenhum vídeo da peça,mas pelas fotos da para perceber que a entrega de Keanu ao personagem foi de corpo e alma…Confiram:


TRADUÇÃO: ISABEL




Um impressionante número de atores talentosos que representaram Shakespeare nasceram ou viveram no Canadá. A lista destes atores de teatro inclui nomes como Christopher Plummer, Colm Feore e William Hutt. No entanto, e ironicamente, o mais popular e reconhecível nome da lista quase nunca é associado a obras de William Shakespeare. Refiro-me à estrela de Hollywood e ator de mega sucessos como Speed, Point Break, The Matrix e Bill e Ted, Keanu Reeves.


Em 1995 Keanu Reeves atuou em Hamlet no Manitoba Theather Center, com lotação esgotada todas as noites, e o que começou por ser simplesmente um treino artístico para o ainda jovem ator de ação, tornou-se um evento cultural sem precedentes. Steven Schipper, o diretor artístico do MTC, pediu a Lewis Baumander para dirigir a peça visto que ele já tinha trabalhado anteriormente com Reeves em "Romeu e Julieta" em Toronto em 1995.


Baumander aceitou com entusiasmo e deu a escolher a Reeves: podiam fazer a peça em Londres, Nova Iorque ou em Winnipeg (Canadá) onde ninguém ía saber com antecedência e eles podiam trabalhá-la no duro. Keanu gostou da ideia de trabalhar a peça e ficaram no MTC, Winnipeg.


Foi pouco depois deste acordo para a peça de Shakespeare ficar selado, que o mega sucesso filme de Jan de Bont, Speed foi estreado e lançou Keanu Reeves para o estrelato. O tal treino artístico de Keanu na peça rapidamente virou um circo. Fãs obcecados de todo o mundo pagaram centenas de dólares para vê-lo em carne e osso, e os críticos anteciparam a oportunidade de testemunhar o paradigma de um herói de ação tornar-se num paradigma de herói de inacção.



Começaram, antecipadamente a criticar fazendo referências a anteriores trabalhos do actor como no filme de 1993 Much Ado About Nothing, dizendo que Keanu foi inapto/disparatado. Estavam portanto, e com alguma raiva, a prever o fracasso total da peça. O diretor resolveu então dirigir-se diretamente às críticas dizendo que "Keanu tem trabalhado com um treinador de colocação de voz….Este é um ator que passou um ano inteiro a preparar-se para o papel da sua vida. Por isso acho que qualquer problema que tenha existido em Much Ado About Nothing, não se irá repetir em Hamlet". No entanto, nem todos estavam tão confiantes como o diretor. Pouco depois da produção ter acabado, o ator Stephen Russell, que interpretou Claudius, admitiu que "estavam todos um pouco nervosos. A peça Hamlet é muito importante e com toda a hiper atividade dos media à nossa volta (por causa do Keanu) nos fazia perguntar como isso tudo acabaria."


A cidade de Winnipeg acabou nas luzes da ribalta com a revelação que a estrela de cinema ía participar na peça, foi até criada uma linha telefónica para os cidadãos ligarem se vissem o Keanu na rua. O manager de Reeves, Irwin Stoff protegeu o ator, negando qualquer entrevista aos media estrangeiros e proibiu o uso de câmeras de vídeo no teatro aquando da representação da peça. Apesar das boas intenções, todo este secretismo e distanciamento serviu ainda mais para aguçar o apetite do público e dos media. Para além dos inúmeros fãs (principalmente jovens adolescentes), esta rara produção atraiu pessoas de outros países.



Na noite de estreia, a peça foi vista por um grupo de mulheres japonesas que compraram bilhetes para as 10 acuações seguintes da mesma peça, bem como uma mulher australiana que conseguiu oito bilhetes para ver a peça e esteve o mês de Janeiro todo em Winnipeg só para ver o ator. Centenas de pessoas compraram também bilhete para assistir a Hamlet, nem que fosse uma só vez. O investimento desta capital da cultura em Reeves superou e muito o investimento no Bardo* (outro nome dado a William Shakespeare). Ainda que a peça tivesse sido o equivalente teatral a um leão a despedaçar o seu treinador, teria sido um sucesso.


Esta hipótese é totalmente irrelevante no entanto, visto que não foi o que aconteceu, para desapontamento dos glutões críticos de arte, tanto profissionais como amadores, que estavam maliciosamente famintos por um fracasso.


Quem podia adivinhar, que o por diversas vezes chamado de ator inarticulado que fez a personagem Ortiz o Cão Rapaz em Freaked (um clássico de culto), recebesse primeiro moderadas, e depois críticas extremamente positivas pela representação do papel possivelmente mais difícil que existe no teatro? Lewis Baumander adivinhou. Meses antes da produção iniciar ele avisou, "quem vem cá para ver o Keanu falhar vai ficar desapontado". A confiança do diretor e o seu prévio conhecimento de Shakespeare e das capacidades de Reeves contribuíram e muito para o estrondoso sucesso da peça.


O seu trabalho foi claro e límpido desde o início, numa entrevista recente Baumander diz que começou com uma linha de pensamento muito simples "Keanu é Hamlet" e foi a partir daqui que toda a produção evoluiu. Como amigo e mentor de Reeves, Baumander teve confiança na compatibilidade de Keanu com o príncipe dinamarquês, uma personagem que na opinião do diretor não é indeciso mas simplesmente humano na sua decisão de atrasar toda a ação. Na realidade ele acredita que Hamlet é até muito ativo na maior parte da peça e pode até ser visto como uma espécie de ator de ação trágico. Nesta perspectiva o papel serviu a Reeves como uma luva, e uma luva que Baumander soube transformar num fato completo.


A produção tão única desta peça foi evidente desde o minuto que a cortina levantou. H.J. Kirchhoff crítico de teatro do Globe and Mail, escreveu: "Baumander abre o seu Hamlet com o príncipe em silêncio debruçado sobre corpo de seu pai, com uma luz vermelha e pouco mais, enquanto atrás dele, Claudius e Gertrude fazem uma espécie de estilizada dança de luxúria". Eros e Thanatos são por norma apenas elementos literários, mas são também essenciais para este hiper masculino género de filme de ação. O sucesso destes filmes recai sempre em sexo e morte e na forma como são explorados. E por isso, todos estes elementos combinados com efeitos especiais de luzes deram aos fãs de Keanu exactamente o que eles queriam. Sabendo que Reeves é mais adepto de luta de espadas que de solilóquio (= monólogo), Baumander aproveitou a oportunidade para expressar assim a ação na tragédia. Pouco antes do intervalo, Reeves está num parapeito de uma janela e atira a sua espada contra uma vidraça que tem pintado Madonna e a criança, e quando o público regressa para a 2ª parte é Cristo, o Vingador na vidraça. Vários comentadores afirmaram ainda ter gostado muito da dualidade da ligação entre Hamlet e Laertes e do seu contributo para a conclusão da peça. E o diretor conseguiu até incorporar malabaristas de fogo a determinada altura da história. Baumander também me disse ter ficado admirado como Reeves conseguiu fazer o papel e as falas dele todas as noites sem a mínima hesitação. No Ato I Cena IV, antes de Hamlet ver o fantasma de seu pai pela primeira vez, Reeves estava em cima de um parapeito posicionado bem acima do palco, e quando o fantasma aparece Reeves "atira-se de uma altura de cerca de 3 metros sempre confiando que estavam lá à espera com um tapete para o segurar". Todos estes aspectos da produção tornaram-na em entretenimento e consistente com o fato que "Keanu é Hamlet".



Infelizmente Hamlet é muito mais loquaz (eloquente) que físico, e ainda que Reeves conseguisse lembrar-se das mais de 1500 falas e recitá-las sempre na ordem correta (um feito por si só!!), na generalidade as críticas acharam que faltou qualquer coisa. O colunista Jamie Portman escreveu "há um problema com algumas das falas de Hamlet….Ser ou não ser é falada superficialmente/casualmente sem convicção ou reflexão emocional" Kirchoff acrescenta: "Quanto mais não seja Reeves pronunciou cuidadosamente todas as consoantes do texto". Nem todos os críticos ficaram convencido que "Keanu era Hamlet", nem todo o público. Cada vez que Reeves falava a palavra excellent, havia sempre alguém na audiência a rir baixinho por se lembrarem da personagem Theodore Logan, e isso eclipsou a melancolia do Príncipe da Dinamarca.


Tom Carson um dos assistentes do Ministério da Cultura do Manitoba lamentou:" não importa o bom trabalho que Reeves fez na peça, sempre que a palavra excelente surge volta sempre a personagem de Ted, é difícil descolá-lo das personagens anteriores".


Ainda assim o ilustre crítico de teatro Roger Lewis do London Sunday Times, não foi influenciado pelas personagens anteriores de Keanu, e comparou Reeves a Laurence Olivier e diz que foi uma das melhores produções que já assistiu.


Ainda que seja plausível que Roger Lewis nunca tenha visto um filme de Reeves e por isso não foi influenciado, existiu uma tendência muito curiosa. As críticas internacionais da peça foram muito mais positivas que as críticas domésticas. Quando confrontado com isto Baumander respondeu: "a imprensa internacional é muito mais inteligente, não tem o ponto de vista que tudo tem que ser explicado. Tem o historial de verem e criticarem Shakespeare, sabem do que falam". Disse ainda que a imprensa americana também foi muito favorável e inclusive a canadiana (fora da cidade de Toronto). Foi mesmo só Toronto que apresentou as críticas mais negativas.


Enquanto que a inteligência e sabedoria da imprensa estrangeira é sempre debatível, Baumander tem razão quando diz que a imprensa canadiana ficou com um osso duro de roer. O Canadá teve sempre uma relação amor/ódio com os Estados Unidos. Nós contribuímos para os EUA indo ao cinema, vendo televisão, lendo as revistas de celebridades, mas ao mesmo tempo nós ficamos rancorosos por eles seduzirem os nossos maiores talentos. Por isso quando souberam que um expatriado, estrela de filmes de ação ía agraciar um palco canadiano com a sua presença, a histeria ácerca da escolha de Reeves fez os críticos rosnar. Achando-se eles o barómetro de cultura do país, alguns sentiram-se relutantes em glorificar a sua presença e por isso não o fizeram.


Como Toronto gosta de ser vista como a capital cultural da nação os seus críticos foram os mais duros. E tenho a certeza que assim se entende a posição de Steven Schipper quando diz: "quando as luzes ofuscantes da estrela de Hollywood começam a desvanecer, os nossos olhos ajustam-se e focam novamente as estrelas mais perto de casa".


À pergunta se mudava alguma coisa na produção da peça no MTC Lewis Baumender diz: "não me arrependo de nada […] no fim de tudo acho que acertámos. A peça fez o que era suposto fazer. Entreter o público". E de fato assim foi.


Entreteve e deliciou o público quando foi anunciada a sua produção. Entreteve o público quando procuravam desesperadamente, nem que fosse um pequeno vislumbre da estrela de Speed, a entrar num bar ou a ir para um ensaio. Entreteve enquanto se sentaram em completo silêncio num teatro a absorver tudo o que era dito na maior tragédia de Bardo. Ainda que Reeves não tenha ganho nenhum prémio pela sua actuação como Hamlet, a produção foi única e tornou-se num evento cultural de enorme sucesso, que podia até ser um caso de estudo do que acontece quando o Canadá, Shakespeare e Hollywood se juntam.


Fonte: http://www.uoguelph.ca/shakespeare/essays/reeves.cfm



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